A sociedade moderna constituiu ao longo dos últimos anos uma
relação com a saúde e o consumo, que o que pode se perceber é que um conceito
está sendo interligado ao outro.
O consumismo invadiu o mundo após a Revolução Industrial, em
meados do século XVIII, com as mudanças tecnológicas que impactaram o processo
produtivo, viabilizando a produção em larga escala. Mas foi a partir do século
XX que o consumismo passou a ser praticado aliado à outros conceitos, como à
beleza, à inteligência, à saúde, à identidade.
O conceito de ser humano saudável, hoje, está ligado à
prática de exercício físico; mas a visão que temos hoje é que o bom exercício
físico é o praticado em academias, ou o auxiliado pelos famosos personal
trainers, e não mais à caminhada matinal prazerosa, ou até mesmo à
atividades diárias como as que praticam as pessoas que vivem no campo, como as
praticadas pelas gerações passadas. Ou seja, a prática de exercício físico está
ligada ao conceito de consumo de algum tipo de serviço que auxilie essa
prática. Assim como a alimentação saudável e balanceada. Essa alimentação que
nossos antepassados já sabiam e ingeriam, hoje só é válida quando é feita a
partir de uma dieta feita pelo profissional apto, como o nutricionista. Como se
nós não soubéssemos o que nos faz bem, o que faz bem para o nosso corpo. (SÁ,
2009)
Podemos citar também as soluções que encontramos hoje para
alguns tipos de doenças e deficiências, como o estresse, ou a falta de alguma
vitamina, ou ainda a anemia muito comum nos dias de hoje. Todas as soluções
estão ligadas ao consumo, seja de um produto ou de um serviço. Seja de um
comprimido ou de um profissional de yoga, ou de massagem, ou qualquer outro que
esteja apto à ajudar no combate ao estresse. E nós adquirimos esses produtos e
serviços mesmo sabendo que a solução está na mudança de hábitos, que podem ser
alimentares, comportamentais e etc. Mas nos dias de hoje, o que vale é a
praticidade e a rapidez de resultados.
Como apresenta Sá (2009, pág. 3), “a bioquímica dos
alimentos é manipulada por grandes grupos farmacêuticos nos fazendo crer que,
nos alimentos, não encontramos tudo que precisamos, para enfrentarmos a vida
moderna, são necessários os suplementos alimentares, assim como pílulas
anti-stress e tranqüilizantes, ansiolíticos, etc.”
A sociedade sofre também com diversas doenças ligadas ao
estilo de vida, às conseqüências causadas por esse estilo de vida. Que é o caso
de muitas doenças respiratórias. Seja pelo tabagismo, pelos produtos gerados
pela combustão do gás de cozinha, ou pelos outros tipos de poluição do ar, seja
residencial ou industrial. (DUCHIADE, 1992)
O que podemos perceber também é o aumento pela procura de
planos de saúde. As pessoas fazem exames completos, mesmo sem efetivamente
precisarem, primeiro para se certificarem que não estão doentes, tendo em vista
a gama de enfermidades “disponíveis no mercado”. E, segundo, para fazerem jus
ao altíssimo preço que pagam nas mensalidades. Ainda existem os profissionais
que indicam procedimentos médicos desnecessários, só com o objetivo de faturar
em cima do seguro saúde. No entanto, os planos de saúde precisam justamente de
uma boa carteira de clientes saudáveis para equilibrar suas contas quando alguém
adoecer.
A grande questão é que estamos vivendo de forma prejudicial
não só para o planeta, mas para nós seres humanos também. Não destruímos só a
“saúde” dos animais, vegetais, água, solo, ar; com esse estilo de vida
consumista onde tudo é matéria-prima consumível. Estamos destruindo a nossa
saúde, estamos afetando a saúde do nosso corpo, seja emitindo gases de “efeito
estufa” na atmosfera acarretando em doenças respiratórias, seja lançando mão de
agrotóxicos (venenos!) nos alimentos que ingerimos, seja de outras diversas
formas que temos disponíveis.
E, como nos mostra Sá (2009), estarão os sistemas de saúde
mundiais preparados para lidar com as adversas advindas das ações realizadas
sobre o planeta? Principalmente com essa visão de ser humano fragmentado que se
tem hoje?
A medicina ainda possui a visão cartesiana de seres humanos
fragmentados, de que a junção das partes se concretiza no todo, e que os
médicos cada vez mais especializados em pequenas áreas do corpo humano são os
melhores médicos. Mas o que não se percebe é que essa visão cartesiana e
fragmentada é o que subsidia essa prática depredatória.
Muitas pessoas consomem exacerbadamente porque elas não
fazem a ligação do todo como um processo. Ou seja, ao comprar um produto ela
não pensa de onde veio a matéria-prima, como o produto foi produzido, como
depois de todo esse processo ele chega a um preço tão acessível nas
prateleiras, e, pra onde ele vai depois de descartado. Ela só pensa na parte do
processo ao qual ela faz parte. Esse é um pensamento cartesiano, desvinculado à
todos os outros processos a que o objeto foi ou será submetido.
E essa visão é com tudo no mundo. Com os objetos, com a
natureza, com o outro... São relações desvinculadas de sua totalidade.
Podemos não gostar de ver na televisão áreas imensas da
floresta amazônica sendo devastadas, ou uma matança de animais, ou crianças
morrendo de fome na África; mas em momento algum fazemos a ligação desses
desastres com a nossa prática do dia a dia. Em momento algum pensamos em rever
nossas atitudes, em sair na nossa “zona de conforto”, para contribuir com a
mudança. Enxergamos-nos como seres à parte do que está acontecendo no mundo.
Não nos sentimos como parte que compõe o todo, mas sim, como parte desvinculada
do todo; como na medicina, não precisamos nos preocupar com o coração, se o que
está tendo problemas são os rins. E essa é uma visão ocasionada pelo paradigma
cartesiano.
Na realidade, raras são as pessoas que não pensam dessa
maneira. As pessoas se apavoram com consequências do aquecimento global
veiculadas pelos programas de TV, mas não relacionam com o que elas mesmas
contribuem, mesmo que minimamente, para esse aquecimento. E, além disso, temos
questões muito menores que podemos resolver com decisões imediatas, cotidianas,
mas não o fazemos. O pensamento precisa partir do local, para, posteriormente,
atingir o global.